Se você assistiu a O Discurso do Rei, sabe que o monarca gago assumiu o trono quando seu irmão, Edward VIII, renunciou para se casar com a divorciada norte-americana Wallis Simpson. Esse caso, chamado pelas revistas de celebridades da época de “o caso de amor do século”, foi o tema escolhido por Madonna para W.E, que passa fora de concurso em Veneza. “Falou-se muito de tudo a que Edward renunciou para ficar com Wallis; mas, de certa forma, a mulher foi esquecida. Ela também deve ter renunciado a muita coisa e esse é o lado que mais me intrigava nessa história”, disse a pop star e cineasta.
O filme usa um recurso para contar essa história. Trabalha em dois tempos, um no presente, com uma mulher mal-amada, Wally (Abbie Cornish), em outro, nos anos 1930, com o love affair entre Wallis (Andréa Risenborough) e Edward (James Darcy). Wally é casada com um psiquiatra alcoólatra e violento. O casal não tem filhos. A mulher consola-se num processo de identificação com Wally e tudo o que ela representa em termos do mito da renúncia amorosa.
Madonna justifica esse expediente das histórias paralelas em nome da subjetividade: “Me interessei por esse romance épico e queria entendê-lo, mas a verdade é algo subjetivo. O importante é que o espectador saiba que esse é o meu ponto de vista. Por isso criei a história contemporânea, porque é a vida da duquesa Wallis contada através dos olhos de Wally.” O romance se duplica em duas épocas e em duas formas distintas. Na história original, o rei se apaixona pela plebeia; no presente, a mulher infeliz cai de amores por um guarda de segurança russo (Oscar Isaac), a serviço da Sothebys.
Fica bem claro que se a Wallys do presente é um alter ego da diretora Madonna, mas a conexão maior da pop star é com Wallis Simpson. “Ela tem mesmo algo em comum comigo, que é a vida de celebridade. Quando se é famoso, colam estereótipos em você e não há o que fazer para retirá-los.” Madonna sabe do que fala. Uma das lendas urbanas de Veneza (nem por isso menos verdadeira) diz que ela reservou e manteve bloqueados quartos em vários hotéis de luxo da cidade apenas para despistar os paparazzi. Por onde passa, provoca loucura. Fãs se atiram sobre ela e têm de ser contidos pelos seguranças. Deve ser uma condição bem solitária, a de pop star.
Propensa, portanto, a certa reflexão, ainda mais quando a celebridade em questão chega a certa idade (Madonna nasceu em 1958, faça as contas). Por que escolheu uma personagem daquela época para retratar? Madonna responde: “Era um mundo de luxo e beleza, mas também de decadência. Queria espelhar esse mundo porque o nosso é igual. De beleza, decadência e glamour. Respiramos um ar um tanto rarefeito. Isso não pode garantir a felicidade de ninguém”.
Pena que essas preocupações não encontrem tradução na tela. A ida e vinda no tempo não contribui para explicar o que quer que seja da condição de Wallis Simpson. E a Wally do presente é apenas personagem de um melodrama um tanto banal. Fica-se com uma impressão de pura artificialidade. Na sessão da manhã, W.E. foi recebido com aplausos mornos e algumas vaias.
Francisco Sampa
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