Tetraplégica desde 1994, deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP) diz que sua chegada ao Congresso mostra que mulher com deficiência física também pode superar obstáculos na vida política
Aos 42 anos, a deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP) superou muitos obstáculos até subir à tribuna da Câmara. Vítima de um acidente automobilístico em 1994, ela não tem, desde então, movimentos do pescoço para baixo. Seu pai, um empresário do setor de transportes, foi assassinado no ABC Paulista. Em seu primeiro mandato federal, Mara Gabrilli faz parte de uma bancada de apenas três deputados: aqueles que têm necessidades especiais de locomoção – são cadeirantes que, até fevereiro deste ano, não tinham acesso ao púlpito do plenário. Os outros dois são Rosinha da Adefal (PTdoB-AL) e Walter Costa (PMN-MG).
Assim que foi eleita, com mais de 160 mil votos, Mara passou a se preocupar em transpor as limitações para discursar da tribuna, cujo acesso se daria apenas por meio de uma escada. “Eu me recusei a falar do chão. Temos três parlamentares cadeirantes, e lá está o elevador para que os parlamentares cadeirantes possam falar na tribuna como todos os outros deputados”, conta a deputada, referindo-se ao elevador instalado este ano a pedido dela e dos outros dois colegas com dificuldade de locomoção.
A deputada tucana então visitou Brasília acompanhada de arquitetos, e daí saiu um projeto de acessibilidade que deixou a esfera da locomoção: ela inaugurou o sistema de registro de votos que, antes restrito aos teclados acoplados às bancadas do plenário, consiste em identificar o movimento do rosto. Ao todo, entre instalação de maquinário, treinamento de servidores e manutenção de equipamento, o empreendimento custou R$ 48,3 mil aos cofres da Câmara.
Para Mara, sua chegada ao Congresso representa uma conquista para as pessoas que, como ela, dependem de uma cadeira de rodas para se locomover. “Isso demonstra que não só a mulher pode transpor barreiras, se desenvolver, e estar participando da política brasileira, mas a mulher com deficiência também”, afirmou.
Corrupção e mal-estar
Acessibilidade não é tema exclusivo das preocupações da deputada. Corrupção é outro assunto sobre o qual ela promete se debruçar nos quatro anos de mandato. “A corrupção, para mim, fala forte e me dá um mal-estar muito grande. Me faz lembrar de tudo pelo que meu pai passou, e que culminou com o assassinato do prefeito Celso Daniel”, declarou Mara, referindo-se à execução do prefeito petista de Santo André, no ABC paulista. Ela afirma que o pai, o empresário Luiz Alberto Gabrilli, era obrigado a pagar propina para que seus ônibus circulassem no município. “Foi onde começou o laboratório do mensalão.”
Publicitária e psicóloga, a deputada de 42 anos não é uma iniciante na vida pública. Com dois mandatos de vereadora por São Paulo (2007-2010), foi reeleita para o cargo, em 2008, na condição de mulher mais votada do país no pleito. Também foi a primeira a chefiar, entre 2005 e 2007, a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida da Prefeitura de São Paulo, criada em 2005.
Além disso, fundou, em 1997, a ONG Projeto Próximo Passo e, em 2007, o Instituto Mara Gabrilli – organização da sociedade civil de interesse público voltada para atletas com deficiência, além de promover projetos culturais, pesquisas científicas e o desenho universal. Mara também assina colunas nas revistas TPM e Sentidos e no portal Vida Mais Livre (confira algumas colunas da deputada).
Mara falou ao Congresso em Foco logo após inaugurar o sistema de votação para parlamentares com limitações mais complexas – no caso dela, tetraplegia. Foi a primeira a registrar o voto nas eleições para a Presidência da Câmara que, cerca de quatro horas depois, resultou na vitória do petista Marco Maia (RS).
Confira a íntegra da entrevista:Congresso em Foco – O que a senhora achou da acessibilidade da Câmara? Atende às necessidades de que tem limitações especiais?
Mara Gabrilli – Desde que fui eleita, tenho vindo aqui. Trouxemos arquitetos, projetos, e conseguimos. Temos um elevador lá [no parlatório do plenário, onde são feitos os discursos]. Eu me recusei a falar do chão. Temos três parlamentares cadeirantes, e lá está o elevador para que os parlamentares cadeirantes possam falar na tribuna como todos os outros deputados. E eu acabei de votar por meio desse novo sistema, que demonstra para o Brasil que qualquer pessoa tetraplégica tem direitos e deveres. E que - puxa! - ela pode sair de casa e exercer cidadania, que o meio ambiente tem de se adequar a ela, e não o contrário.
Como a senhora se sente estreando na primeira sessão plenária da legislatura, na ocasião histórica em que uma mulher preside o Brasil pela primeira vez?
É uma honra fazer parte dessa força feminina aqui no Congresso. Além disso, tem toda a questão da acessibilidade. Acabei de fazer a minha votação [para a Presidência da Câmara]. Fui a primeira a votar por meio do sistema que desenvolveram para eu poder votar sem que eu precise tocar no teclado, simplesmente com o movimento do meu rosto. Funcionou perfeitamente. E isso demonstra que não só a mulher pode transpor barreiras, se desenvolver, e estar participando da política brasileira, mas a mulher com deficiência também.
A senhora pretende compor alguma comissão voltada à discussão e à apresentação de projetos sobre o tema da acessibilidade?
Eu já até escolhi a comissão que eu faço questão de integrar, que é a Comissão de Desenvolvimento Urbano. Até porque eu faço um trabalho muito voltado para a questão da mobilidade urbana. Tudo o que diz respeito à mobilidade, ao transporte, à acessibilidade de forma geral. Claro que tenho interesse em várias outras comissões que, eventualmente, talvez eu participe.
Ainda há no Congresso a velha política da política dominada pelos homens. A senhora tem algum projeto, alguma intenção de trabalho que, de alguma maneira, possa mudar esse quadro?
De desvalorizar os homens, não (risos). Mas você sabe que aqui, ao menos para mim, que sou mulher e estou no Parlamento, eu não vejo muita diferença?… Existe um hábito de ter uma maioria de homens. Mas acho que, pouco a pouco, as mulheres estão conquistando espaço. E estão demonstrando que, além de todas as virtudes que um político possa ter, tem uma questão afetiva muito forte, que envolve a mulher em questões sociais e em outras coisas que, talvez, precisem de um aprofundamento maior do que o dado pelos homens nessa questão afetiva. Por uma única razão: a mulher concebe. Tem nuances de emoção que são diferenciados. Isso não quer dizer que não tenhamos homens extremamente sensíveis, que muitas vezes também fazem avaliações com o coração. Mas é mais comum acontecer com a mulher.
A senhora não considera que a participação da mulher no Congresso está abaixo da ideal? O ideal não seria meio a meio?
Precisamos começar a desenvolver um trabalho muito grande nas lideranças de bairro, nos municípios. Por incrível que pareça, pelo menos na cidade de São Paulo, a maioria das lideranças é de mulheres. De repente, dar oportunidade para essas mulheres fazerem um curso de política, de gestão pública, para que elas se interessem cada vez mais, e usem esse talento – que elas já utilizam como líderes – na política de uma forma mais oficial. Porque é uma questão histórica essa de ter menos mulheres, por isso acho que vale a pena investir nisso.
Os casos de corrupção na Câmara e no Senado beiraram o surrealismo nos últimos anos. Talvez pela falta de transparência que, em alguns casos, facilita certos desmandos. Como a senhora pretende lidar com a falta de ética no Congresso?
Olha, eu fico muito triste de ouvir isso que você está me falando. É óbvio que eu venho assistindo, mas eu acho que as pessoas têm de ter uma posição muito firme, uma postura muito transparente. Isso é uma atitude que vai do presidente, passando pelos ministérios, chegando aqui no Legislativo e perpassando o Judiciário. Não dá para ser permissivo quando se trata de corrupção. Por exemplo, na hora de você nomear um ministro, se existe alguma denúncia de corrupção – e até questões praticamente comprovadas –, eu acho que é questão de respeito ao país pensar de forma menos permissiva, para começarmos a fazer uma limpeza.
Como a senhora vê a relação os parlamentares e os veículos de comunicação?
Ultimamente, a imprensa tem sido muito combativa na questão da corrupção, realmente dando destaque a esse tipo de informação. A minha família vem de Santo André (região do ABC paulista). Para você ter ideia, foi onde começou o laboratório do mensalão. Inclusive o meu pai era empresário do setor de transportes, e era obrigado a pagar propina para a prefeitura para poder trabalhar. A corrupção, para mim, fala forte e me dá um mal-estar muito grande. Me faz lembrar de tudo que meu pai passou e que culminou com o assassinato do prefeito Celso Daniel. E depois de tudo a gente ver assistir ao mensalão aqui na Câmara, da forma que foi, é chamar o povo brasileiro de palhaço.
A senhora pertence ao principal partido de oposição ao governo Lula. Para além da identificação de feminilidade entre as senhoras, como será a sua relação com a presidenta Dilma?
Por meio de um bom trabalho, voltado para pessoas com deficiência, que é uma questão muito importante – porque, quando melhoramos a vida delas, melhoramos a vida de todo brasileiro. A minha avaliação da presidenta Dilma vai ser pelo trabalho dela. Realmente não sei como será minha relação com ela, mas eu sou uma pessoa que se relaciona muito bem.
Rita Bizerra, com Congresso em Foco
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