Na enciclopédia da Música Popular Brasileira, um verbete parece não querer por um ponto final em sua definição. Tá lá na letra “E”: Elis Regina Carvalho Costa. Gravando com personalidade dos cânones da MPB até jovens compositores, ela cruzou duas décadas de carreira como a voz maior deste País, conquistando admiradores ainda hoje. Tão intensa no palco quanto fora dele, seu jeito rocker conquistou fãs tão fiéis que, mesmo passados quase trinta anos desde sua morte, ainda é grande a saudade.
Boa parte deste vácuo deixado pela Pimentinha se reflete na carreira de sua única filha, Maria Rita. Lançada como cantora em 2003, cercada de muito alarde e investimentos altíssimos, ela nunca conseguiu se livrar das comparações com a mãe. Tanto que foi difícil começar sem falar de Elis. E este ano, quando muitos aguardam pelas celebrações dos 30 anos sem Elis (completados no próximo 19 de janeiro), Maria Ritadeixa de lado a efeméride e lança seu quarto disco de carreira. O primeiro produzido somente por ela própria.
Elo (Warner) nasceu de uma série de shows intimistas que a cantora vinha fazendo pelo exterior e Brasil, incluindo Fortaleza. Na sequência da muito bem-sucedida turnê do disco Samba Meu,Maria Rita voltou ao estilo econômico do início de carreira. Dos oito sambistas que a acompanharam pelo mundo por quase três anos, ela passou para um trio de piano (Tiago Costa), baixo acústico (Sylvio Mazzuca) e bateria (Cuca Teixeira), músicos com quem ela vem trabalhando desde o início da carreira. Formada a banda, agora é partir para o repertório.
A escolha do que seria apresentado nesta turnê de entressafra (e que acabou posteriormente gravado) partiu de velhas lembranças, sugestões de amigos e do que ela já vinha cantarolando na sala de casa. Talvez por isso, apenas três das 11 canções de Elo são inéditas. Entre elas, Pra matar meu coração (Daniel Jobim/ Pedro Baby), que nasceu com bênçãos cearenses. Convidada pelo namorado Davi Moraes para participar do programa Som & Areia, gravado em Jericoacoara, foi aqui que ela conheceu esta que foi escolhida como a primeira música de trabalho. Por aqui também, Maria Rita ouviu o samba Coração a batucar (Davi Moraes/ Alvinho Lancellotti), o ponto alto do disco. A última inédita é Perfeitamente (Fred Martins/ Francisco Bosco), balada contundente que sobrou das gravações de Segundo (2005).
No assunto regravações, Maria Rita pareceu menos ousada que em outras oportunidades.
Menino do Rio, de Caetano Veloso, já ganhou registro definitivo em 1979 com Baby do Brasil. Em Elo, a canção ganha introdução intimista destacando a bela voz da cantora, e só. Já Só de você (Rita Lee/ Roberto de Carvalho) é irmã gêmea de Feliz, também do disco Segundo. Em alguns momentos, a cantora parece querer melhorar o que não precisava ser melhorado, como é o caso de Nem um dia (Djavan) e A História de Lily Broun (Edu Lobo/ Chico Buarque). Melhor mesmo ela faz na leitura meio psicodélica de Conceição dos Coqueiros (Lula Queiroga/ Alexandre Bicudo/ Lulu Oliveira). Outro nome recorrente de início de carreira, Marcelo Camelo comparece com A Outra. E, claro, como não poderia faltar, Coração em Desalinho (Monarco/ Ratinho), tocada á exaustão em novela recente, encerra o disco em clima de samba.
Com cara de trabalho de fim de contrato, Elo empolga pouco se comparado a outros momentos luminosos da intérprete. Bem cantado e bem tocado, é fato. Mas, a ausência do elemento surpresa deixa tudo meio morno. Mas, por enquanto, a expectativa mesmo é por saber se Maria Rita vai aceitar ou não visitar o repertório de Elis Regina no próximo ano, como espera o meio-irmão João Marcelo Bôscoli.
É ele quem está à frente do projeto milionário Redescobrindo Elis, que deve incluir, além dos cinco shows de filha pra mãe (todos abertos ao público), biografia, exposição, discos e documentário. A torcida pelo “sim” de Maria Rita é grande. Caso ela aceite, este Elo vai ser só um aperitivo diante das emoções que estão por vir.
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