Quatro décadas após a revolução sexual, não há dúvida de que as mulheres conquistaram vários espaços antes exclusividade dos homens, mas a arena política brasileira continua sendo um território essencialmente masculino. Uma pesquisa divulgada esta semana pela União Interparlamentar (IPU, sigla em inglês) com números de toda a América Latina revela que a presença de mulheres na Câmara só é maior do que a do Haiti, da Guatemala e da Colômbia. Apesar de continuar atrás dos vizinhos, o número de deputadas no Brasil cresceu entre a legislatura passada e a atual, passando de 32 para 45. Mesmo assim, elas ocupam menos de 10% das 513 cadeiras da Câmara. Outro item que evidencia a baixa participação de mulheres no cenário político brasileiro é a pequena presença delas à frente das lideranças partidárias e na Mesa Diretora da Câmara.
Apesar de serem poucas numericamente, o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), lembra que as mulheres têm uma grande capacidade de se organizar e de defender suas causas.
São poucas numericamente, quase insignificantes, mas muito ativas na defesa de suas causas
- As mulheres são mais unidas. São poucas numericamente, quase insignificantes, mas muito ativas na defesa de suas causas. Têm capacidade de se unir em relação a suas causas - afirma.
A professora Lúcia Avelar, diretora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), atribui o baixo espaço das mulheres no Parlamento à tradição política brasileira, sempre dominada pelos homens. Lúcia diz que é recorrente na história das sociedades, não só entre os homens, a resistência de grupos que ocupam posições de comando à entrada de novos atores na disputa de espaço. Segundo ela, essa aversão à partilha do poder é mais evidente em relação às mulheres, mas também ocorre com minorias, como os negros.
- A política brasileira tradicionalmente é uma arena masculina. Os partidos políticos até há alguns anos praticamente só abrigavam correligionários homens. Essa entrada das mulheres na representação formal começou a ocorrer a partir dos anos 80, na transição política. Não progride mais porque os políticos são muito fechados à entrada das mulheres. Não só a elas, como a outros segmentos que não estão na elite do poder - afirma.
Recentemente eleita líder da oposição, cargo normalmente ocupado por homens, a senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) diz que os partidos são muito fechados às mulheres:
- O que marca a ausência das mulheres é a falta de democracia dentro dos partidos - diz.
Para a professora da UnB, a instituição da cota de 30% para mulheres candidatas nos partidos não garantiu a efetiva participação feminina na vida político-partidária porque o país não adotou simultaneamente a lista fechada nas eleições. Lúcia Avelar explica que, se a lista fosse fechada (quando os partidos indicam os candidatos), a cada três nomes haveria obrigatoriamente o de uma mulher em condições reais de ser eleita. Com o sistema de lista aberta, muitas mulheres são incluídas na disputa apenas para figuração. Além disso, os partidos não são punidos quando burlam a exigência legal.
- Como aqui não há lista partidária fechada, a cota é para inglês ver - diz a professora.
- As cotas não garantem financiamento nem tempo de televisão. As mulheres não conseguem isso e não têm chances de se eleger - diz Manuela D'Avila, eleita deputada no ano passado aos 25 anos, pelo pequeno PCdoB, com a maior votação já recebida por uma mulher no Rio Grande do Sul.
Para a deputada Luiza Erundina (PSB), ex-prefeita de São Paulo, as raízes das dificuldades das mulheres na política vão além das estruturas partidárias . Segundo ela, as mulheres não são educadas para ocupar espaços públicos.
- Existe um componente cultural, intrínseco à educação familiar, religiosa e até mesmo escolar das mulheres. As meninas são educadas para o ambiente privado. Só os meninos são estimulados a exercer liderança e ocupar os espaços públicos - diz.
Para Erundina, as mulheres acabam exercendo preconceito contra si mesmas e preferem votar em homens.
- Em geral, nós não nos permitimos ter um papel político. Existe um conceito inconsciente de que política é coisa de homens. Ao invés de tentar mudar o poder, a mulher acaba não valorizando a si própria. Por isso, apesar de termos uma população majoritariamente feminina, temos uma participação de mulheres no Congresso tão ínfima.
Ainda muito ligadas aos maridosLúcia Avelar lembra ainda que muitas mulheres só ganham espaço na política partidária brasileira devido a relações de parentesco. Não é à toa que boa parte das mulheres que ocupam a vida pública ainda são associadas aos sobrenomes dos maridos, pais, irmãos. Uma rápida análise na lista de 45 deputadas federais em atividade no país permite identificar que pelo menos 14 delas tiveram sua atuação parlamentar de alguma forma vinculada ao parentesco com homens públicos conhecidos nacionalmente.
O analista político Antônio Augusto concorda que muitas entram na vida política alçadas pelos maridos, mas destaca mudanças significativas mesmo nesse cenário. Segundo ele, apesar de influenciadas pelos maridos, normalmente ligados à política tradicional, as mulheres tendem a adotar uma postura mais progressista e se mostram mais preocupadas com as questões sociais.
- As mulheres chegaram sob influência dos maridos, mas em geral tomam uma postura mais progressista, especialmente na área social. Algumas até já têm sua carta de alforria, atuam com independência em relação ao marido. Vieram em função da família, mas se distanciaram, têm vôo próprio - afirma.
- Em outros países, quando há mais mulheres no Parlamento, há realmente mudanças porque há uma visão de mundo um pouco diferente, que traz um componente um pouco mais de justiça social, mais distributiva - completa Lúcia Avelar.
Alta participação na vida política, baixa na vida partidáriaA cientista política Lúcia Avelar observa, porém, que não se deve medir a participação da mulher na vida política apenas pela política partidária. Segundo ela, o movimento de mulheres está abrindo espaços não na representação política formal, mas nas instituições da sociedade civil. Manuela D'Ávila, que chegou à Câmara deixando claro que não queria ser reconhecida por sua beleza física, cobra mais espaço para as mulheres no Parlamento e endossa as palavras de Lúcia.
- A participação parlamentar das mulheres no Brasil é desproporcional à participação delas na política. É só ver o número de militantes mulheres que temos em associações de bairro, por exemplo - afirma.
A própria Manuela, que atuou durante cinco anos no movimento estudantil, é um exemplo de que a mulher está presente na vida política do país, mesmo quando não tem espaço nos partidos. Em 2004, tornou-se a mulher mais votada na história da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, com 9 mil votos. Dois anos depois, chegou à Câmara dos Deputados com mais de 271 mil votos disposta a fazer diferença na Câmara. Lúcia Avelar afirma, no entanto, que as mulheres precisam ter uma presença em massa no Parlamento para imprimir sua marca na política nacional.
- Só há mudança significativa quando há números mais expressivos para ter massa crítica - diz.
Rita Bizerra, com globo.com
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