Em debate realizado em Porto Alegre, o desembargador do Tribunal de Justiça do RS, Claudio Baldino Maciel, afirmou que a mídia tem usado a liberdade de imprensa para violar outros princípios constitucionais, como a privacidade e a intimidade. "Sei que este é um ponto de tensão entre juízes e jornalistas; alguns setores da imprensa entendem como censura, mas é preciso compreender que o direito à liberdade de imprensa não é, como nenhum outro direito, absoluto. É claro que, quando se trata de uma pessoa pública, o interesse público sobressai. Mas cabe ao juiz normatizar esses conflitos", afirmou.
O debate foi promovido pela Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores de Comunicação (Altercom) e Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social e fez parte da programação do seminário Democratização da Mídia. Além do desembargador Claudio Baldino Maciel, o evento teve a participação dos jornalistas Breno Altmann e Paulo Henrique Amorim, do ex-ministro da Comunicaçao Franklin Martins, da deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), da jornalista Bia Barbosa, integrante do Conselho Diretor do Coletivo Intervozes, e do professor da Universidade de Brasília (UnB) Venício Lima.
Veja a seguir trechos das reportagens e dos vídeos produzidos pela Carta Maior:
Uma atividade que deve ser regulada
Para Claudio Baldino Maciel, a atividade de comunicação, especialmente pelo impacto que tem na vida das pessoas, deve ser regulada. O desembargador tratou especificamente do artigo 220 da Constituição Federal, que proíbe monopólios diretos e indiretos no setor, citando o caso de uma ação do Ministério Público Federal contra a RBS que possui mais de 20 emissoras de TV, oito jornais e diversas emissoras de rádio na região Sul do país.
"É uma atividade que, também pela falta de regulamentação, gerou o coronelismo eletrônico, que representa uma promiscuidade enorme entre o poder político local e até nacional e as concessões de meios de comunicação, violando inclusive o artigo 54 da Constituição Federal. O vínculo da grande mídia com as elites é inegável no país. É fundamental que esta atividade seja, portanto, regulada", avalia. "Não há nenhum profissional que precise de tanta independência quanto o jornalista para trabalhar como o juiz. Se foi criado o Conselho Nacional de Justiça, por que não pensar em uma regulamentacao da atividade de imprensa?", questionou Maciel.
Distribuição e financiamento
O jornalista Breno Altmann, editor do site Opera Mundi e diretor da Altercom concorda. Além de criticar a busca pela informação a qualquer custo, incluindo a violação de direitos constitucionais, ele acredita que hoje, na sociedade de mercado, a liberdade de imprensa está restrita aos grupos que tem meios econômicos para tal. Assim, tal liberdade, que deveria ser um meio para o exercício da liberdade de expressão, é praticada no Brasil apenas por alguns grupos monopolistas, enquanto os distintos grupos sociais não podem exercer este direito. "Precisamos garantir a liberdade de imprensa a quem não tem o direito de se fazer ouvir. Por isso é preciso combater o monopólio e gerar um conjunto de medidas políticas e econômicas que façam o país trafegar da liberdade formal para a real", disse Breno Altmann.
Nenhuma democracia pode conviver com monopólios na mídia
Paulo Henrique Amorim lembrou que, nos últimos três anos, embora a audiência da Globo esteja em queda, seus telespectadores não estão migrando para as emissoras concorrentes, mas para a internet - onde vão acessar os portais da Globo - e para o cabo e o satélite - onde também há um monopólio do mesmo grupo. "A indústria do cabo, por exemplo, foi impedida de ser disseminada pela Globo, para que não canibalizasse sua própria TV aberta. Por isso o cabo é tão caro no Brasil", explicou. "E as rádios e jornais do interior vivem da divulgação das agências de informação dos portais da globo, da Folha e do Estadão. Nenhuma nova democracia vive nesse monopólio, não há conformação industrial deste tipo em nenhum outro país", disse Amorim.
Uma das propostas defendidas no debate em Porto Alegre foi então a criação de fundos públicos que criem condições materiais para a democratização e fomentem o desenvolvimento da imprensa regional e setorial que não faz parte da tradicional economia de mercado.
“Há uma tentativa de interditar o debate sobre o marco regulatório da mídia”
A Constituição pode ser o terreno comum para o debate do marco regulatório da comunicação no Brasil", defendeu o ex-ministro da Secretaria de Comunicação do governo Lula, Franklin Martins, durante debate sobre democratização da mídia, realizado em Porto Alegre. "Podemos assumir o compromisso de não aprovar nenhuma regra que fira a Constituição e de não deixar de cumprir nenhum preceito constitucional", disse o jornalista que criticou a tentativa de interditar esse debate no Brasil.
“Não esperem que os partidos políticos façam algo"
Como é de seu estilo, a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) não colocou panos quentes ao falar sobre a relação entre a mídia e os políticos brasileiros, ou a imensa maioria deles, ao menos. “Não esperem que os partidos políticos façam algo para enfrentar o atual esquema de poder da mídia. Só com pressão social”, disse Erundina. Segundo ela, os parlamentares que integram a Comissão não estão muito interessados em debater a sério o tema da regulação da comunicação social. A omissão que ela aponta manifesta-se em outras atividades parlamentares também. “Muitas vezes, os deputados avaliam pedidos de renovação de concessões de rádio e televisão no escuro, sem dispor de dados objetivos para tomar uma decisão”.
Contra a censura, a favor da responsabilização
A jornalista Bia Barbosa, integrante do Conselho Diretor do Intervozes, defendeu a necessidade de discutir questões relativas a conteúdos, lembrando o caso recente de uma TV na Paraíba que exibiu, ao meio dia, cenas de um estupro de uma criança. “Não defendemos censura prévia para evitar casos como este, mas tem que haver responsabilização para esse tipo de prática. Achei lamentável a declaração da presidente Dilma de que o único controle que interessa é o controle remoto”, disse ainda a jornalista.
O principal temor das entidades da sociedade civil interessadas neste debate, assinalou a representante do Intervozes, é que o processo do marco regulatório seja prorrogado ad infinitum. Bia Barbosa divulgou o endereço www.comunicacaodemocratica.org.br que traz a plataforma da sociedade civil para o marco regulatório da comunicação. O texto é fruto de debates acumulados ao longo das últimas décadas, em especial na primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada no final do ano passado, em Brasília.
Não existe liberdade de expressão com monopólio
O Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962, quando a televisão estava engatinhando no Brasil, lembrou Venício Lima, sociólogo, jornalista e professor da Universidade de Brasília (UnB). As mudanças tecnológicas, observou, são uma das razões para justificar um novo marco regulatório da mídia. Outra muito importante, disse Venício Lima, é dar voz a quem hoje não tem direito a ela. “Só há liberdade de imprensa com muitas vozes, sem monopólio e com a máxima dispersão de propriedade”, defendeu.
O professor da UnB também criticou a confusão deliberada feita entre os conceitos de liberdade de imprensa e liberdade de expressão. “Uma coisa é a liberdade individual de expressão, outra é a transformação da imprensa em grandes corporações”. E a liberdade de expressão, acrescentou Venício Lima, é incompatível com o monopólio no setor. “A propriedade cruzada dos meios de comunicação consolidou grupos empresariais que são proibidos pela Constituição. O mercado de comunicação precisa ter regulação, entre outras razões, para que haja competição entre as empresas e não monopólio”.
Reportagem: Bia Barbosa e Marco Aurélio Weissheimer
Vídeo: TV Carta Maior/reportagem: André de Oliveira e Júlia Aguiar
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