Ela não vê, e no entanto ela nos olha. Ela não vê e no entanto, fixa a câmera sem pestanejar e os seus olhos azuis traem apenas furtivamente o seu segredo. Nuria del Saz, vinte e cinco anos, não enxerga desde os treze anos em consequencia de uma doença fulminante que acabou com suas retinas. Acidente terrível que não conseguiu desviar um milímetro da adolescente. Ela tinha acabado de determinar um caminho. Ela queria ser jornalista. Ela se tornaria uma jornalista. Ela é uma jornalista. Mais ainda. Nuria del Saz apresenta há um ano e meio, no Canal Sur, rede pública de televisão da Andaluzia, o jornal televisivo das 13 horas. Precisou de disciplina, determinação, abnegação, coragem. E ainda um insuperável otimismo. "Nem por um minuto eu pensei que o fato de ser cega iria me impedir de atingir meus objetivos." Ela repete a quem pergunta. Mas foi necessário também, para que Nuria, num belo dia de junho de 1998, apresentasse seu primeiro jornal, que seus empregadores tivessem a inteligência de acreditar nela.
Criando seu segundo canal, o canal Sur decidiu contratar deficientes. Nuria se apresentou aos testes para o cargo de apresentadora e foi a preferida entre os candidatos. Todos "videntes". Nenhum cálculo mediático na decisão, apenas a vontade de tornar visíveis os deficientes. O paradoxo quis que fosse uma jovem que não vê há doze anos que nos torna sensível a essa realidade... Não existe teleprompter para Nuria del Saz, apenas textos transcritos em braille que ela confessa muitas vezes saber de cor para garantir a fluência de sua locução e um dispositivo especial na sua sala para lhe permitir trabalhar: computador com tela tátil, impressora especial. Um material que lhe foi dado pela organização nacional de cegos espanhola. E como todos os jornalistas da redação, a loura Nuria submete seus textos a um chefe de redação que deve ser rigoroso.
Uma linda história, não é verdade? Existem sempre lindas histórias no mundo dos deficiente. Seres exemplares que se superam e sem camuflagens vêem suas vidas como qualquer outra vida. No momento em que algumas companhias de seguro tramam planos lamentáveis para arrasar ainda mais os que são chamados algumas vezes de "marcados pelo destino", o olhar de Nuria del Saz pesa de maneira especial sobre esse mundo que não para de olhar para si mesmo. Nuria não vê os outros, ela nem mesmo se vê. Ela foge magistralmente às amarras dos belos rostos dos pequenos visores do mundo inteiro: o desolador narcisismo dos prisioneiros da imagem. Nuria del Saz, é um olhar absoluto. E ao mesmo tempo a realização de uma forma de liberdade absoluta. (artigo publicado no jornal Le Figaro)
Rita Bizerra, com IDBD
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