Esta juíza defendeu a Marcha da Maconha, a união de gays, a cota para negros, o aborto do anencéfalo. Agora, Cármen Lúcia é a primeira mulher a presidir o TSE. Sua meta: fraude zero
A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, 58 anos, vive "atormentada" para fazer o certo, sente o "peso excessivo" do fardo de juíza e diz que, mesmo quando erra, está tentando ser proba. Assim que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a divulgação dos salários dos seus servidores e ministros, Cármen, que integra a corte, pôs na internet não só valores mas seu CPF e conta bancária. Ganha 26,7 mil reais brutos, que, com descontos, caem para 17,8 mil. Leva mais 5,4 mil reais por presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), desde abril. Primeira mulher no posto, vai comandar as eleições neste ano de estreia da Ficha Limpa. Para obter fraude zero, ela espera que o cidadão, mais do que nunca, seja o autor da própria escolha. "Só haverá compra de voto se ele vender. Se ficar provado que um político pagou por votos, não permanecerá no cargo, ainda que passada a eleição." Em dois dedos de prosa, revela-se também uma juíza engraçada. Imita a fala dos taxistas machistas que encontra nas ruas; adora contar "causos" e divide seu estado em dois: "Há as Minas e as Gerais. O mineiro toma banana de macaco, deixa o bicho satisfeito, agradecido e devendo favor. Já o `geraiseiro¿, como eu, dos grandes sertões, fala do que gosta ¿ só quando gosta; quando não, diz que detesta". Se desconfia de alguém bancando o esperto, saca a frase: "Não vem de escada, que o incêndio é no porão". Seu território é o norte das Gerais, descrito por Guimarães Rosa ¿ a quem ama ¿ e onde fica a pequena Espinosa, da sua meninice. Esta mulher, que aprecia uma cachacinha, concedeu a entrevista no seu gabinete, no novo prédio envidraçado do TSE, em Brasília.
Que infância a senhora teve nas Gerais?
Nasci na divisa com a Bahia, em Montes Claros, onde minha mãe foi para dar à luz. Cresci com seis irmãos em Espinosa. Meu pai tinha um posto de gasoline, hoje, aos 94 anos, ainda trabalha ali. Foi uma infância amparada, livre, numa escola pública. Aos 10, estava no internato do Sacré-Coeur de Jésus, em Belo Horizonte. Não pensei em fugir, mas detestava. Era rigidez demais, sininho para acordar às 5 horas, sininho para o banho frio. Ia uma vez por mês à casa de uma tia e, no almoço de domingo, começava a ficar triste; tinha de voltar. Mais duro era ver minha mãe chorar, no fim das férias, porque os filhos retornariam ao internato. Não fui uma adolescente feliz, só pensava em liberdade. Hoje, avalio que aprendi a ter disciplina, a gostar de literatura.
A senhora aprendeu a ler antes dos 5 anos e fala cinco línguas. Sempre teve afinidade com as palavras?
Mas era ruim em aritmética, vivia em aula particular. Minha mãe me ensinou a ler numa casa cheia de livros e jornais. Estudei línguas para ler, no original, Dostoiévski e Balzac.
E do que precisou para ler Guimarães Rosa? A fala dos personagens dele é muito fácil para nós, do norte de Minas. Muita gente da região fala daquele jeito até hoje. Eu já ouvi gravações de grandes atores interpretando textos de Guimarães Rosa. Não convencem. A entonação e a forma cultural da conversa não são verdadeiras.
Adora quebrar tradições, não é? Foi ao STF de calças quando mulher só ia de saia... Aquilo soou como quebra de um quase paradigma. As jornalistas se queixavam, eram impedidas de entrar por não estarem com o traje certo. Ora, o povo todo veste calças. Pensei: "Uma hora, acabo com isso. A mim, não vão barrar". E cheguei ao plenário de calça e blazer. Foi um barulho danado. Nunca mais incomodaram as jornalistas.
Por que conta "causos" de taxistas no STF? Faço um laboratório com os taxistas, que sabem o que o povo pensa. Entro no carro e já pergunto: "O que me diz de tal assunto? E da política?" No plenário, citei um desses motoristas na discussão da Lei Maria da Penha, este ano. Havia dito a ele qualquer coisa que eu achava absurda, e ele, sem saber quem eu era, respondeu: "O mundo está virado; já deixam até mulher ser ministra do Supremo. É certo isso, dona?" O preconceito existe contra toda mulher numa sociedade que tem um padrão fixado pelo homem. Se a maioria dos que criam o direito é homem, a visão é sempre masculina.
Como se aproxima da realidade de índios e homossexuais para julgar matérias que os envolvem? Vai à aldeia, à parada gay?
Visitei a Raposa Serra do Sol (em Roraima) para decidir a posse da terra indígena.
Que infância a senhora teve nas Gerais?
Nasci na divisa com a Bahia, em Montes Claros, onde minha mãe foi para dar à luz. Cresci com seis irmãos em Espinosa. Meu pai tinha um posto de gasoline, hoje, aos 94 anos, ainda trabalha ali. Foi uma infância amparada, livre, numa escola pública. Aos 10, estava no internato do Sacré-Coeur de Jésus, em Belo Horizonte. Não pensei em fugir, mas detestava. Era rigidez demais, sininho para acordar às 5 horas, sininho para o banho frio. Ia uma vez por mês à casa de uma tia e, no almoço de domingo, começava a ficar triste; tinha de voltar. Mais duro era ver minha mãe chorar, no fim das férias, porque os filhos retornariam ao internato. Não fui uma adolescente feliz, só pensava em liberdade. Hoje, avalio que aprendi a ter disciplina, a gostar de literatura.
A senhora aprendeu a ler antes dos 5 anos e fala cinco línguas. Sempre teve afinidade com as palavras?
Mas era ruim em aritmética, vivia em aula particular. Minha mãe me ensinou a ler numa casa cheia de livros e jornais. Estudei línguas para ler, no original, Dostoiévski e Balzac.
E do que precisou para ler Guimarães Rosa? A fala dos personagens dele é muito fácil para nós, do norte de Minas. Muita gente da região fala daquele jeito até hoje. Eu já ouvi gravações de grandes atores interpretando textos de Guimarães Rosa. Não convencem. A entonação e a forma cultural da conversa não são verdadeiras.
Adora quebrar tradições, não é? Foi ao STF de calças quando mulher só ia de saia... Aquilo soou como quebra de um quase paradigma. As jornalistas se queixavam, eram impedidas de entrar por não estarem com o traje certo. Ora, o povo todo veste calças. Pensei: "Uma hora, acabo com isso. A mim, não vão barrar". E cheguei ao plenário de calça e blazer. Foi um barulho danado. Nunca mais incomodaram as jornalistas.
Por que conta "causos" de taxistas no STF? Faço um laboratório com os taxistas, que sabem o que o povo pensa. Entro no carro e já pergunto: "O que me diz de tal assunto? E da política?" No plenário, citei um desses motoristas na discussão da Lei Maria da Penha, este ano. Havia dito a ele qualquer coisa que eu achava absurda, e ele, sem saber quem eu era, respondeu: "O mundo está virado; já deixam até mulher ser ministra do Supremo. É certo isso, dona?" O preconceito existe contra toda mulher numa sociedade que tem um padrão fixado pelo homem. Se a maioria dos que criam o direito é homem, a visão é sempre masculina.
Como se aproxima da realidade de índios e homossexuais para julgar matérias que os envolvem? Vai à aldeia, à parada gay?
Visitei a Raposa Serra do Sol (em Roraima) para decidir a posse da terra indígena.
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