Por Lucelene Garcia,
advogada (OAB/SC nº 24273).
Historicamente, a mulher ficou subordinada ao poder masculino, tendo basicamente a função de procriação, de manutenção do lar e de educação dos filhos, numa época em que o valor era a força física. Com o passar do tempo, porém, foram sendo criados e produzidos instrumentos que dispensaram a necessidade da força física, mas ainda assim a mulher içou numa posição de inferioridade, sempre destinada a ser um apêndice do homem, jamais seu semelhante.
Esta compreensão acorrentou culturalmente a mulher, moldando-lhe sua existência conforme estas possibilidades apresentadas.
No século XX, depois das grandes guerras mundiais, dos avanços científicos e tecnológicos, surge irrevogavelmente a possibilidade de outro espaço para a mulher. Por volta da década de 40, o feminismo dá seus primeiros passos, e com isso começa a pensar na possibilidade de um futuro diferente daquele que lhe reservaram culturalmente e historicamente. As mulheres já vinham em um processo, lento e gradual de conquistas sociais, econômicas e jurídicas, mas é a partir de então que se intensificam as discussões e lutas pela superação da situação das mulheres.
Se comparados a milênios de inferiorização, submissão e desqualificação, os avanços conquistados, arduamente, nas últimas décadas são pequenos, mas fundamentais para a consolidação do processo histórico e cultural da mulher ao lado do homem com as mesmas possibilidades de ser na sociedade.
A mulher se depara ainda, hoje com esta contradição: por um lado, uma herança histórica que a limitou a ser mãe, esposa; por outro, a possibilidade de escolher seu futuro e se fazer sujeito de sua história, bem como da humanidade, em pé de igualdade com o sexo masculino. Porém, é no interior dos lares que vem à tona o lado mais obscuro e cruel desta contradição, muitas vezes com a conivência da própria vítima: a violência doméstica do marido ou companheiro contra a mulher.
Quando se fala em violência doméstica contra a mulher, depara-se com um fenômeno histórico e cultural aterrorizante e invisível, por ser uma violência velada, uma vez que chega ao conhecimento público parte da realidade existente.
Por isso, a superação da violência contra a mulher é uma questão complexa e merece muito estudo e conscientização da população e dialogo entre famílias para que um dia essa violência possa vir ser efetivamente erradicada. Percebe-se que a luta das mulheres pela conquista de direitos e igualdade ainda não atingiu um patamar aceitável pela população feminina, pois a mulher continua sendo discriminada, alijada do poder e os índices de violência praticados contra elas são alarmantes.
Destaca-se entre as conquistas feministas a criação das delegacias especializadas para atendimento às mulheres. Mas essas não são ainda a respostas que as mulheres desejavam ao que se refere ao combate à violência, visto que, muitas vezes, as elas não querem maior punição para seu parceiro, querem somente ser deixadas em paz. Registre-se que com a existência das delegacias houve maior visibilidade aos crimes sofridos pela mulher.
Apesar das DEAMs trabalharem com deficiências estruturais e materiais, pode-se constatar que a criação das delegacias femininas foi um grande avanço na conquista de grupos feministas que lutaram e exigiram de seus governos maior comprometimento com a causa feminina, cujo maus tratos por parte de seus companheiros não poderiam continuar no âmbito privado.
Quanto à Lei Maria da Penha, observa-se que é uma proposta inovadora e polêmica em diversos pontos. Há quem a critique assim como que acredite que a lei será inexeqüível. Entretanto, somente o tempo poderá nos mostrar o que foi acertado e onde se errou.
O sistema interamericano também está voltado para o combate da violência contra a mulher aprovando a Convenção Interamericana para Prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher e a convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres.
Finalizando, verifica-se que existe um grande canal entre a lei e a vida. No entanto, mais difícil do que mudar a lei é mudar as mentalidades. Muitas coisas em nossa legislação precisam ser transformadas, mas, antes de tudo, é fundamental que se mudem as relações assimétricas entre mulheres e homens. Somente tais mudanças conduzirão à igualdade, à liberdade e à autonomia das mulheres, cujo resultado será uma transformação social, com homens e mulheres livres, construindo um mundo mais justo.
(*) E-mail: lucelene24273@oab-sc.org.br
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