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Como viajar por três meses pela Europa sem dinheiro

Aline viajou por três meses sem gastar nada. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell Você quer viajar, mas não tem um tostão no banco? A artista plástica Aline Cambpell, 24 anos, mostra que é possível correr o mundo de forma absurdamente econômica: ela passou, entre junho e setembro deste ano, três meses viajando pela Europa sem nenhum dinheiro. É isso mesmo: fora as passagens do Rio até Amsterdam e de Zurique até o Rio, ela não gastou absolutamente nada, e partiu sem nem um cartão de crédito pra emergências.

Achou loucura? Pra justificar a empreitada, Aline elenca três objetivos: extrair a bondade que as pessoas têm, mostrar ao mundo que seres humanos são generosos por natureza e demonstrar que certas situações não são tão perigosas quanto pensamos. A viagem recebeu um nome: Open Doors, ou Portas Abertas, partindo da mesma metáfora que me fez batizar o blog, que faz referência ao exercício de abrir-se pra o mundo :) Eu não podia deixar de contar a história dela por aqui, né?

Aline viajou por três meses sem gastar nada. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
Ela viajou com uma pequena mochila com sete peças de roupa, pegou 54 caronas e dormiu em 38 casas diferentes. Nunca tinha ido aos países por onde passou e não conhecia ninguém na maioria deles. Usou muito Couchsurfinge confiou na sua intuição: “você sente se a pessoa está mal intencionada ou não com você”, afirma.
Aline criou uma página pra o projeto no Facebook, onde foi postando fotos e contando algumas histórias durante o percurso. Viajando sem roteiro definido, ela foi surpreendida positivamente várias vezes pelo caminho, como no dia em que pegou uma carona pra ir de Budapeste a Viena, foi convencida pelo motorista a ir até a Eslováquia e ainda ganhou um ingresso pra o Cirque du Soleil :) Em outra ocasião, saiu de Londres pra ir a Orleans, na França, e acabou embarcando numa viagem de três dias de carro até a Sérvia!
Aline e um dos muitos motoristas que lhe deram carona e acomodação. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
Aline e um dos muitos motoristas que lhe deram carona e acomodação. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
Voltou sã e salva, com mil histórias pra contar e um apelo: “Por favor: acreditem menos na mídia. O mundo não é tão perigoso quanto a gente pensa que é”. Inevitável lembrar de histórias como a de Arthur Simões, que deu a volta ao mundo sozinho de bicicleta, e outros viajantes cujas histórias eu contei aqui. Não precisamos ser tão radicais, mas inspiração é o que não falta pra conhecer o mundo de forma diferente, com maior contato com as pessoas e sem precisar gastar tanto, né?
Aline pretende publicar seu diário de viagem, mas enquanto ele não sai, confira a entrevista que fiz com ela e saiba mais sobre essa aventura:
Quando e como surgiu a ideia do projeto?
O projeto surgiu em abril de 2013, apenas dois meses antes da viagem. Porém foi no meio do ano passado, 2012, que comecei a pensar sobre a ideia de fazer uma viagem sem dinheiro, quando abri as portas para um hóspede americano (Couch Surfing) e ele estava viajando sem mala (exatamente, sem mala, só com a roupa do corpo e uma pochete com documentos e dinheiro). Achei o troço bem esquisito, mas depois de conversarmos comecei a entender suas razões e ele me abriu as portas para uma nova perspectiva de vida. Ele dizia que as coisas materiais o distraiam do que para ele era mais importante: as relações interpessoais e os momentos que vivia durante a viagem. Por isso resolveu viajar sem nada. E disse que seu próximo passo seria viajar sem dinheiro. Pra quê?… (risos) Jesse nunca realizou a segunda parte do sonho, mas ficou bem feliz quando soube da minha aventura :-)
Você se inspirou em algum projeto parecido?
Na verdade fiquei sabendo de mais projetos assim após minhas viagem. Mas dois em particular me inspiraram bastante. Um foi o Living Without Money, de uma senhora que vive há mais de 16 anos na Alemanha sem dinheiro nenhum (muito feliz por ter tido a oportunidade de encontrá-la pessoalmente); e o outro foi oTroca por um Quadro, do pernambucano Pedro Melo, pois o meu projeto também teve um grande enfoque artístico (Aline trocou arte por acomodação em um hostel em Budapeste e presenteou alguns de seus hosts).
O encontro com uma senhora alemã que vive sem dinheiro há 17 anos.  Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
O encontro com uma senhora alemã que vive sem dinheiro há 17 anos. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
O que seus amigos e família pensaram quando você disse que ia viajar sem dinheiro nenhum?
O mesmo que todos pensavam mesmo durante a viagem: “você é louca!” Mas as coisas mudaram um pouquinho agora que eu voltei, e voltei bem :-)
Quais foram os maiores “perrengues”?
Sem dúvida as vezes em que tive que pegar carona à noite ou com chuva, sozinha na estrada. Teve uma vez que eu estava na autoestrada, mas na direção contrária da que eu precisava ir. Era impossível de se atravessar as pistas a pé, porém havia uma pista que passava por debaixo das vias de auto-velocidade. Só que (esses “só que” é que matam a gente… risos) além de estar de noite e chovendo muito (caia um temporal naquele dia), esta pista subterrânea estava desativada e não havia iluminação nenhuma. Sim, eu respirei fundo e atravessei, no escuro, sozinha, a bendita. Nesse dia eu confesso que tremi na base.
Preparativos para mais uma parte da jornada.  Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
Preparativos para mais uma parte da jornada. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
E os momentos mais especiais?
Tiveram muitos… Muitos mesmo. Mas para citar um, no final da jornada, quando fui à neve pela primeira vez na vida. Meu anfitrião me levou para os alpes suíços, com direito a bola de neve na cara e tudo! E o melhor de tudo, foi que eu estava na neve e estava Sol! Não fazia frio!!! Ah, Suíça…
O que você aprendeu, além de confirmar sua ideia de que as pessoas são naturalmente generosas?
Os ricos também podem ser muito generosos mesmo com desconhecidos. E esse negócio de que europeu é frio é bem questionável. Eu aprendi que o ser humano em geral reflete as ações do outro. Digo, você acaba recebendo de volta o que projeta. É assim na vida, é assim com vidas. Se você chegar a alguém já com “medo”, esperando que vai ser maltratado ou algo do tipo, lembre-se do efeito espelho. Faça você o teste… Vá falar com um estranho de forma super entusiasmada e sorridente para ver a reação dele.
Você fez alguma coisa pelas pessoas que encontrou na viagem?
Além de compartilhar histórias e momentos, eu procurava sempre ajudar nos afazeres de casa. Por exemplo, se via que a casa estava suja, eu fazia uma faxina enquanto o anfitrião estava fora (gostava sempre de fazer isso como surpresa). Também fiz bastante arte durante a viagem e dava os quadros aos anfitriões como forma de agradecimento pela hospitalidade. Mas às vezes também eu não fazia “nada”. É importante a gente saber que essa troca não deve se tornar uma obrigação, mas sim vir de forma natural. Quando você pode, você faz algo, mas quando não pode, não deve forçar a barra. Cedo ou tarde você vai fazer por outro, sem receber em troca daquela pessoa que ajudou. A corrente se fortalece assim, criando elos em lugares diferentes.
Em algum momento você se cansou, ou pensou “o que danado eu tou fazendo aqui?”?
Por incrível que pareça, não. E talvez por ter sempre mantido um pensamento positivo, unido à certeza de que tudo cedo ou tarde acabaria bem, pouquíssimos foram os momentos difíceis, que sempre vieram seguidos por momentos maravilhosos. Um momento complicado, que me fez repensar minha decisão, foi no trajeto Londres – Sérvia, pois quando topei entrar nesta aventura, mal tinha noção da onde raios ficava a Sérvia… (risos) Foram três dias de viagem! Mas valeu cada momento… Coloca no Google “Plitvička jezera” só para ter um gostinho do que eu tive no caminho… ;-)
Em paradas inesperadas, Aline conheceu lugares incríveis como esse.  Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
Em paradas inesperadas, Aline conheceu lugares incríveis Europa afora. Foto: Acervo Pessoal/Aline Campbell
O fato de ser mulher e estar viajando sozinha não lhe fez sentir vulnerável?
Riscos existem em qualquer lugar. Qualquer lugar. Por isso não gosto nem de utilizar essa palavra. Eu estava sempre com pensamentos positivos. Buscava acreditar e a confiar nas pessoas que pelo meu caminho passavam, e ao fazer essa conexão, mostrar a elas que eu não estava com medo nem nada, elas se abriam e me ajudavam.
Você acha que em países com maiores problemas estruturais e um maior abismo social seria mais difícil fazer algo do tipo com segurança?
Bom, eu estive na Sérvia e foi lá que encontrei um dos povos mais amigáveis que conheci durante a viagem. E estamos falando de um país pobre, com grande histórico de guerras e problemas sociais. Ano que vem, Brasil me espera. Eu não gosto de criar conceitos com base no achismo ou no “ouvi dizer”, portanto ou eu tenho certeza de algo (com base em experiencias e vivencias) ou eu não comento sobre.
Tem mais alguma coisa que você queria dizer sobre o projeto?
Às vezes a mim soa meio estranho dizer “projeto”, pois na verdade foi só uma maneira de amarrar os ideais aos quais eu acredito. Quero levar esses conceitos para mais e mais pessoas, sobre o poder de estar aberto ao desconhecido, confiar no mundo e fazer o bem, que o bem vem. É assim que na prática funciona. Gentileza gera gentileza. Menos coisas e mais momentos.
Quer saber mais sobre a viagem e os ideais de Aline? Veja um dos vídeos que ela fez (tem mais no canal dela no Youtube):
ATUALIZAÇÃO:
Depois de um post em outro blog, Aline fez outro vídeo respondendo a muitas perguntas que também surgiram nos comentários aqui: “Como ela entrou na Europa sem dinheiro?”, “Como conseguia comida?”, entre outras. Assista abaixo pra conferir o que ela tem a dizer ;) Quanto a mim, sou do time dos precavidos e sempre tento evitar riscos, seja na minha cidade ou fora dela (talvez mais fora dela, já que em “território desconhecido” me sinto mais vulnerável). Mas acredito que dá pra quebrar muitas barreiras e ao mesmo tempo tomar precauções.
Obviamente, o que Aline fez não é nada simples: em troca das experiências incríveis que ela viveu, teve que lidar com mil circunstâncias que não podia controlar e seguir as condições dos seus hosts, o que pode ser difícil pra muita gente. Também acredito que existiu uma boa dose de sorte envolvida, como em muita coisa na vida.
Quis contar a história dela aqui porque achei curiosa e inspiradora. Não que eu pense que devamos todos fazer o mesmo, mas acho que os princípios que tão por trás (entre outras coisas, fazer um “turismo” diferente, se abrir pra conhecer novas pessoas e viver coisas inusitadas e desapegar, na medida do possível, de bens materiais) são bem interessantes pra suscitar reflexão:) Ah, e eu já tinha contado várias histórias de viagens bem aventureiras aqui na tag Histórias de viajantes. Pra quem quiser mais inspiração, se joga por lá!

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