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Indígenas transformam o esquecimento em herança cultural


Foto: Marco Andre Lima
Rosana Rodrigues tem a missão de preservar e repassar as tradições indígenas.
A partir do momento que a mulher indígena sai da aldeia, começa o desafio de manter as tradições ligadas ao povo tradicional. Na maioria dos casos, tudo o que era habitual passa a ficar no esquecimento diante das dificuldades de adaptação na cidade e dentro de outra cultura. Aos poucos, a identidade se perde, mas ainda há aquelas mulheres que tentam manter a tradição para não esquecer da própria origem e repassar o conhecimento para os descendentes. A mulher indígena enfrenta esta e outras barreiras que precisam ser transpostas diariamente. Ontem, 5 de setembro, foi celebrado o Dia Internacional da Mulher Indígena.


Marco Andre Lima

Um exemplo de como é difícil manter as tradições em meio à rotina na cidade está na aldeia urbana Kakané Porã, no bairro Campo do Santana. No local vivem índios de três diferentes etnias: guarani, xetá e caingangue. Muitos índios adultos já não falam mais seus idiomas nativos e as gerações recentes também não aprenderam as línguas. Mas o idioma pode se traduzir como identidade e, por isto, se torna tão importante quando se fala em manter as tradições.


Na casa de Rosana Salete Rodrigues, moradora da aldeia, só se fala o idioma caingangue. A conversa com os filhos é na língua da sua etnia e as crianças aprenderam desde cedo. “Alguns pais acham ruim ensinar o idioma pensando que vai haver dificuldade quando a criança for para a escola e aprender português. Mas não é assim. Eu aprendi português somente na escola”, comenta Rosana. Ela lembra que muitos indiozinhos também podem sofrer preconceito na escola por causa do idioma nativo.


Rosana acredita que é difícil manter as tradições como moradora da cidade. Elas vão se perdendo. Neste contexto, o idioma se torna o verdadeiro patrimônio da herança indígena. “O idioma é que vai permanecer”, opina.


Marco Andre Lima

Apesar das dificuldades, foi encontrada uma maneira para incentivar o conhecimento do idioma nativo. A oca central da aldeia foi transformada em sala de aula. Mesmo parecendo improvisada, se tornou o espaço ideal para aprender ou reforçar o conhecimento do idioma. A oca, utilizada para rituais na manutenção das tradições indígenas, hoje abriga carteiras e um quadro negro.


Rosana se tornou a professora da turma, não apenas por falar caingangue, mas também por já ter tido uma experiência similar em passagem por outra aldeia, em Santa Catarina. As aulas são destinadas para as crianças e acontecem duas vezes por semana. Cerca de 35 crianças frequentam as atividades. “Nenhuma criança tinha noção do idioma. Elas já foram criadas na cidade e os pais também não falam o idioma. As crianças aproveitam bem as aulas, mas os pais poderiam incentivar ainda mais”, afirma Rosana.


Antes de cada aula, a professora sai de sua casa com uma cesta (feita com as características do típico artesanato indígena) recheada de canetas, giz e livros didáticos especiais. Vai até a oca central para preparar o espaço. A criançada começa a chegar assim que percebem a presença de Rosana. Um momento representativo para o povo indígena e para a manutenção de suas tradições, onde quer que estejam.

Contribuição na defesa da mulher em aldeias e nas cidades



Marco Andre Lima


Faz 26 anos que Belarmina Luiz Paraná saiu da Reserva Indígena Mangueirinha, na região sudoeste do Estado, para morar em Curitiba. Apesar de todo o tempo na cidade, ela ainda sofre com mudança. “Sofri muito e a gente não se acostuma porque lá vivia no meio do mato, com mais ar puro, mexia na terra”, relembra. Belarmina é da etnia caingangue, mas foi casada com um índio da etnia xetá, também sendo lembrada por isto. “Não falo o idioma. Na época, não quiseram me ensinar. Fiz apenas a 1ª série do Ensino Fundamental. Não tive a oportunidade de bons estudos”, revela.

O contato mais próximo do que ela fazia há quase três décadas é o artesanato. Ela monta colares e pulseiras com sementes; faz cocares com penas; e produz a típica cestaria indígena. Por motivos de saúde, Belarmina deixou de vender o artesanato na Praça Osório. O artesanato se tornou uma fonte de renda, mesmo sem uma adesão grande do curitibano quanto às peças, segundo Belarmina. “Desde pequena a gente trabalha com artesanato. Trabalho bastante com sementes de açaí e de coco”, conta. Para ela, a partir do momento que se deixa a tribo, não tem como manter fielmente as tradições. “Ainda mais sozinha. Eu acabei perdendo. Ainda conseguimos fazer alguma coisa quando juntamos um grupo”, esclarece.


Mesmo com este histórico, Belarmina não abandonou as raízes e se envolve com as causas indígenas para ajudar mulheres que vivem em aldeias ou em centros urbanos. Participa de diversos encontros importantes em todo País. Participou até da Rio+20. A questão indígena envolve diversos aspectos, incluindo a marcação de terras. Especificamente entre as mulheres indígenas, um dos problemas é a falta de proteção. “Dentro das aldeias, não tem como dizer que tem proteção. Ainda existem os maridos “machões” que não dão oportunidades para as mulheres, que nem falam, nem participam de reuniões”, relata Belarmina. Faltam oportunidades também para estudar. “Seria bom que houvesse meios para as mulheres indígenas estudarem. Os maridos não aceitam os estudos. Muitas mulheres, já com 30 ou 40 anos, nunca estudaram. E elas acabam nem procurando também”, declara.


Outro problema grave enfrentado pelas mulheres é o alcoolismo, tanto nos homens quanto entre as próprias índias. Belarmina diz que fica muito triste com esta realidade. Ela ressalta que o alcoolismo e as suas consequencias causam muito sofrimento para as mulheres indígenas. “É um absurdo o que está acontecendo. Fico imaginando que seria possível fazer alguma coisa. Existe a legislação, mas não há maneira da aldeia aceitar a Lei Maria da Penha”, revela.

Mulher indígena precisa de atenção em diferentes áreas


Marco Andre Lima
Belarmina alia o artesanato com o movimento a favor da mulher indígena.
Aldeias indígenas, de diferentes etnias, estão espalhadas pelo Brasil. No entanto, muitas lutas são comuns entre as mulheres, mesmo com a diferenciação entre quem ainda está na aldeia e quem mora na cidade. As reivindicações são levadas para órgãos públicos visando a articulação de políticas específicas para este grupo da população. Uma das discussões mais latentes está na saúde, que passa também por uma questão cultural e acesso das mulheres que moram em aldeias. “As mulheres indígenas que vivem nas cidades podem acessar os serviços de saúde, mas há problemas quanto ao tratamento, que deve ser sem discriminação”, avalia Vera Soares, secretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), vinculada à Presidência da República.


Outro problema enfrentado pelas mulheres indígenas está no acesso à educação. Existe a intenção de ampliar a rede de escolas bilíngues (português mais o idioma nativo). Segundo Vera, o Ministério da Educação possui um programa de educação indígena e haverá este fortalecimento para que se garanta o acesso das mulheres indígenas em todas as regiões do País.


A terceira grande dimensão quanto às mulheres indígenas está na violência, que ocorre nas aldeias e também nas grandes cidades. No ponto de vista da SPM, os direitos humanos das mulheres são universais. “Não é porque é índio que pode maltratar a companheira”, salienta Vera. O enfrentamento da violência contra a mulher indígena está sendo analisado pela SPM, principalmente para aquelas que vivem nas aldeias. Quem está na cidade ainda possui condições de acionar os órgãos públicos competentes para conseguir proteção e evitar o problema.


Além destes três pontos principais, a SPM ainda articula forças a outros órgãos federais para os assuntos de demarcação indígena, tanto em casos de conflitos quanto para a liberação de áreas que sejam destinadas para etnias. Apesar de todas as questões de demandas e culturais, cada vez mais as lideranças entre as mulheres indígenas se intensificam. Um dos exemplos desta força está na participação intensa em diferentes eventos referentes às mulheres e ainda o aparecimento de ações específicas para as indígenas dentro do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.

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