Era uma gélida noite de sábado, quando olhava pela janela de um quarto de hotel na cidade de São Paulo, a solidão, apesar de ser um estado de espírito que gosto de curtir, naquela noite me deixava inquieta, a ponto de preferir a chuva fina bater no meu rosto, enquanto observava aquele engarrafamento de início de noite, às margens do Tietê, aquele mar de carros misturavam cores diversas, do alto da janela, não havia como distinguir, cor nem forma daqueles automóveis, mais não me sentia tão só.
O meu olhar transcendia a lataria e via casais se enamorando, famílias que se destinavam a um jantar especial de aniversário e/ou outras comemorações, colegas que ofereciam carona depois de um dia árduo de trabalho, jovens que saiam pra balada... trinlinlin...trinlinlin... meu celular!
Me volto para a escrivaninha, aonde estava meu celular, e logo escuto.
Maiiiiiiiiinha!
Era Rafaela, que com seu jeito grosso de me amar conseguira um álibi para saciar a saudade de mim, e, sobretudo, a curiosidade de especular o que estava vivendo em terras longínquas, e, para disfarçar o seu propósito dizia:
- Maiinha, uma mulher ligou de Olho d'água pra te convidar a ir na escola dela, que seus alunos querem te conhecer...
- Você sabe quem é essa mulher, filha?
- Não, mais amanhã pego o número do telefone dela e te ligo. Como tá por aí?
- Tudo bem filha. Amanhã já viajo e logo cedo, na segunda estarei em casa. Beijos! Mainha ama você e sua irmã! Xau!
- Xau!
O papo dela é sempre curto, e como já conheço, não tento alongar, também sou objetiva.
Ao chegar em casa, ela me passou o número do telefone e era a professora Naná, uma das pessoas que sempre valorizou a minha forma carinhosa de olhar pra nossa terra, acompanha há tempos, os meus escritos, e me dizia haver realizado um trabalho na escola, sobre a nossa história, nosso povo, com seus alunos, utilizando o Livro Olho d'Água - A Princesinha do Vale, de minha autoria. Sendo que nesse trabalho, havia falado um pouco da minha história de vida, de forma que, com curiosidade, as crianças pediram para me conhecer pessoalmente.
Não podia ser diferente a minha atitude. Me predispus passar na escola e ficou combinado que em um dia que estivesse passando pelo Vale do Piancó, passaria na escola e conversaria um pouco com os alunos de Naná, pois naquele momento haviam muitos compromissos, o que impossibilitava agendar esse encontro.
Passaram-se alguns dias e surgindo uma oportunidade de ir àquela região, telefonei para a diretora da escola, e achando que seria a pessoa certa de falar do assunto, pois como produtora de cultura, escritora, jornalista, palestrante e filha daquele município, não teria razão para uma diretora escolar dificultar uma conversa minha com aquelas crianças, atendendo um chamado delas próprias. Para além, de se tratar da senhorita Fátima Carlos, uma pessoa da minha casa, que em outros tempos tivera meu apoio em seus projetos de vida, éramos confidentes e tal.
Bom, na conversa que tivemos ela prometera estar também na escola, e se prontificara de avisar para a professora Naná da minha passagem, até que combinamos para depois das 14 horas.
Com tranquilidade, logo que almoçamos, Edinho, Rafaela e Eu seguimos rumo àquelas terras, e, exatamente, às 14:30 horas chegávamos na escola, e para surpresa nossa, a diretora anti-cultura, por razões injustificadas e suspeitosas à politicagem, em vistas de ser por coincidência na semana das eleições 2014, em primeiro turno, dispensara os alunos e fechara todas as salas da escola, deixando apenas, as secretárias, com argumentos espalhafatosos, com a cara da incompetência daquela diretora mesmo. Ainda para rechear a mediocridade dela, soubemos por meninos que rodeavam a escola, que pressupomos ser alunos daquela unidade escolar, que com toda arrogância que lhe é característica, a diretora havia interrogado à professora? "Quem mandou você agendar essa visita?", sendo que a professora respondera não haver agendado nada comigo, como de fato, não houvera mesmo.
É pobre, é deseducadora, incompetente e não podia jamais gerir uma escola, onde precisa-se de educadores treinados à atender até mais de um pedido dos alunos, mas, buscar a conhecer talentos, habilidades e competência dos seus alunos, para atender as necessidade de aprendizagem individual destes, fazer ciência das suas inteligências predominantes e etc., Mais vai essa mulher reconhecer o que é educação/aprendizagem?
Mais amigo leitor, essa pobreza cultural teve um contra-ponto extraordinário, naquela mesma tarde.
É claro que retornava indignada com a atitude da diretora Fátima Carlos, apesar de conhecer os seus limites de valores e respeito ao próximo, não iria confrontá-la por isso. Mas, buscava dentro de mim uma forma de minimizar os efeitos daquele dissabor, com resiliência, foi quando vínhamos sisudos, meu marido, minha filha e eu, e me lembrava de um e-mail enviado pelo jornalista olhodaguense, Luiz Augusto, dando conta de que em uma comemoração de aniversário de 82 anos, do Agricultor Sr. Augusto, morador da Fazenda Jurema, propriedade de Mário Leite, ao perguntar pra o aniversariante o que gostaria de ganhar de presente naquele dia, ele teria respondido: Gostaria de ganhar das mãos de Rita Bizerra, um exemplar do seu último livro publicado, pois vivo lendo seus escritos, ouvindo sua fala nas rádios e isso seria um sonho realizado. Ainda lembrei haver prometido fazer isso, para Luiz Augusto.
Rafaela estava no volante, e quando se aproximou da entrada da Fazenda Jurema, a orientei entrar naque vicinal e sem questionar atendeu-me. Edinho demonstrou não gostar desse desvio e garanti ser uma coisa boa que iríamos fazer. Nem sei porque Rafaela apenas sorriu e com aquela insaciável sede de dirigir, seguia contente, algo inexplicável. Rafa e Eu sorríamos, até que Edinho também sorriu como se aderisse à nossa satisfação.
Não muito longe estavam umas pessoas sentadas à sombra de uma árvore na porta de uma casa simples. Eram seu Augusto, sua esposa, sua filha e um vizinho, que papeavam entre sorrisos. Rafa parou o carro, eu fui descendo e seu Augusto já dizia em alto e bom som: Não acredito! Rita Bizerra na minha casa, com o meu presente na mão. Foi emocionante aquele abraço, com alma, com satisfação, com reciprocidade.
O clima era de alegria, como se estivéssemos em uma glamorosa festa. Os olhos de Rafaela, de Edinho e de todos ali presentes brilhavam. Seu Augusto e Eu nos emocionamos e entregava para ele, um não, mais dois livros meus que ele ainda não tinha na sua estante, e com ar de felicidade dizia seu Augusto: - Agora tenho com que me divertir por algum tempo.
Ele falava do que contavam meus outros livros. Me contava histórias inéditas dos engenhos de outrora que existiram naquela região. Foi um fim de tarde cultural naquele terreiro e até me surpreendi com o jeito feliz de Rafaela, por está ali no meio daquelas pessoas simples, naquele mundo tão simples, tão puro, sendo que falamos de outros encontros, das diversão daquele lugar na minha adolescência, que quase não queríamos voltar para casa. A ofensa promovida pela deseducadora da escola perdeu o sentido, e aquela tarde, foi marcada pela promessa de não mais perder o contato com aquela família, que apesar das dificuldades, da carência de estudo, da carência de qualidade de vida, pudemos experimentar o afeto entre aquelas pessoas, que compartilharam conosco, um amor incondicional, verdadeiro, educado, enriquecido pela humildade.
Frase para refletir:
A educação não está na escola, está nas pessoas.
Rita Bizerra
Comentários
Postar um comentário