A presença feminina no samba se deu desde que o estilo musical começou. Venceu preconceitos de cor, de classe social e até dúvida sobre a qualidade musical do que era produzido por elas. Na série de reportagens do Ministério da Cultura (MinC) em homenagem aos 100 anos do primeiro samba gravado, Pelo telefone, conversamos com quatro cantoras brasileiras do estilo sobre suas referências e influências.
Com mais de 60 anos de carreira, a cantora e compositora Elza Soares não para de se reinventar. Suas letras engajadas juntam poesia ao samba e a variações da MPB, com temas que incluem de racismo à violência contra a mulher. Na correria para preparação de uma turnê na Europa com o disco "A Mulher do Fim do Mundo", só de inéditas, ela conta quem foram suas primeiras referências femininas na música. "Quem me influenciou foram Ângela Maria e Dalva de Oliveira. Dalva foi minha amiga, cheguei a conviver com ela. Pela Ângela tenho muito carinho, apesar de não convivermos por conta da correria da vida", resume.
Sempre disposta a se conectar com o novo, Elza destaca o grupo de jovens com quem vem trabalhando. "A minha relação com essa juventude que está produzindo hoje está no meu trabalho. Estamos tão conectados que o meu trabalho atual é feito com o que há de mais moderno hoje em dia. O (músico) Kiko Dinucci, (o DJ) Rodrigo Campos, (os produtores) Marcelo Cabral e Guilherme Kastrup. Estou sempre gravando com eles. Tem (os cantores) Larissa Luz, Johnny Hooker, Simone Mazzer, Joyce Cândido e Liniker. Amo muito o trabalho de todos eles. Aprendo muito com eles", afirma.
A cantora e compositora Leci Brandão, também deputada estadual em São Paulo, tem mais de 40 anos de carreira na área musical. A relação dela com a música, em especial com a escola de samba Mangueira, surgiu de forma natural, seguindo os passos das mulheres de sua família. As grandes vozes femininas do rádio foram companhia dela desde infância, mas, por conta própria, escolheu a temática social para compor suas canções.
Leci conta que, como compositora, não teve influência "de mulher nem de ninguém". "Comecei a fazer música por questão de saudade, de um grande amor. Foi meu primeiro samba, e daí fui embora, até porque a minha temática é muito mais de questão social. Sou uma compositora comentada pelo fato de as minhas músicas seguirem a questão das lutas sociais, da defesa das minorias, que defendem o movimento negro, o movimento de mulheres. Sempre coloquei todas as questões de luta do País nas minhas letras", destaca.
Neta, filha e afilhada de mulheres que sempre desfilaram na Mangueira, Leci frequentava desde cedo o morro da Mangueira, porque ia muito à casa da madrinha. "Quem sempre aparecia por lá era a Dona Zica (última esposa de Cartola). A minha relação com a Mangueira sempre foi uma coisa muito natural, de família e pessoas conhecidas. A minha mãe (Lecy de Assumpção Brandão) trabalhou na fábrica de tecidos onde trabalhou o Jamelão. As pessoas todas se conheciam", conta.
A cantora conta que sempre gostou muito de "cantoras e cantores". "Por exemplo, a Dalva de Oliveira. Sempre a ouvi, desde pequenininha. Ademilde Fonseca e Carmen Costa foram mulheres que eu também ouvia quando pequena. Sou muito fã de Angela Maria. Da Elza Soares também. Para mim, a grande sambista deste país é a Elza", elogia.
Paulistana de 40 anos, Fabiana Cozza traz em sua música e estilo a preferência por representantes das raízes da tradição do samba nacional, reverenciando mulheres que batalharam para valorizar o gênero, o samba, a culturas e as religiões afrodescendentes. Ela destaca a tripla jornada dessas mulheres: casa, trabalho e samba, e as barreiras de preconceito que tiveram de quebrar.
"Graças a muitas mulheres, o samba sobreviveu, se reinventou e se estabeleceu. Historicamente, no início do século XX, muitas ialorixás (popularmente conhecidas como mães de santo), como, por exemplo, a Tia Ciata, abrigavam sambistas em seus terreiros e quintais, à época perseguidos pela polícia do Estado, que reprimia não apenas o samba, mas qualquer manifestação cultural do povo negro, como a capoeira", afirma Fabiana. "Fora isso, após a abolição da escravatura, muitas dessas mulheres conseguiram trabalhar em casas de família, auxiliando no sustento de seus maridos e filhos. Tenho muito respeito e admiração pela trajetória das mulheres do samba que resistiram a preconceitos diversos, sobretudo ao machismo e ao racismo, firmando-se como bambas no gênero. Minha reverência a Clementina de Jesus, Tia Eunice, Dona Ivone Lara, Dona Sinhá, Berenice, Clara Nunes, Leci Brandão, Denise do Peruche, Alcione, Jovelina Pérola Negra, Dona Zica da Mangueira e às companheiras de todos os grandes sambistas deste país. Salve!".
Já a cantora, atriz e preparadora corporal brasiliense Renata Jambeiro, de 34 anos, contabiliza uma série de referências femininas em seu trabalho: de Carmem Miranda a Clara Nunes. "Muitas mulheres me influenciaram. A primeira delas foi minha mãe: no samba e na música. É uma mulher absolutamente solar, alegre e eu cresci escutando ela cantar Clara Nunes, Beth Carvalho, de manhã cedo, trazendo aquele astral bom na casa", recorda.
"O samba tem muito uma relação da minha casa sempre cheia de gente, dos meus pais sempre recebendo gente em casa, sambando, fazendo festa. Claro, dentro deste rol de intérpretes e compositoras, a Clara Nunes é um norte muito forte. Ela tem um peso na minha pesquisa sobre o samba muito grande, pelo motivo de ser uma grande referência da cantora, que trouxe uma relação com o candomblé, com a umbanda, com a cultura afro-brasileira na década de 1970. Não por uma questão de imitação. Isso jamais seria possível, mas a questão de querer continuar um legado que ela deixou", destaca Renata.
Carmem Miranda, Alcione, Beth Carvalho, Mariene de Castro, Fabiana Cozza, Nilze Carvalho e Dona Ivone Lara são outras mulheres citadas como influência pela cantora. "Dona Ivone é nossa dama do samba, maravilhosa por toda a sua história, por toda a sua trajetória. Uma primeira mulher que esteve ali na ala dos compositores, escrevendo, compondo, que tem uma história de vida linda e que eu tive o prazer de gravar e de me aproximar da família. Virei uma amiga da família. Ela é uma grande mãe, uma grande madrinha. Toda a família dela me recebeu com grande amor e carinho. Isso é inexplicável e impagável", afirma.
Camila Campanerut
Assessoria de Comunicação
Ministério da Cultura
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