Um estudo publicado na revista médica Lancet revelou que um comprimido de anastrozol por dia pode evitar 120.000 novos casos de câncer de mama
A revista médica Lancet revelou há cerca de dois anos que uma medicação, chamada anastrozol, pode reduzir em 53% o risco de câncer de mama em um grupo específico de mulheres pós-menopausa. Essas pessoas fariam parte de uma população de alto risco para a doença. Essa informação já era bem conhecida por especialistas na área de câncer de mama, mas ganhou proporções de escândalo quando publicada em letras garrafais na capa de um tabloide popular na Inglaterra, em 29 de novembro passado. A notícia acrescenta, em tons sensacionalistas, que o medicamento custa 4 pence (menos de 2 reais) por dia.
Em primeiro lugar, a notícia é verdadeira. Fascinante foi a forma encontrada para divulgá-la para a população. O Daily Mirror é um jornal focado em fofocas sobre famosos, notícias policiais e varias páginas de esporte. Londrinos são vistos diariamente lendo esse jornal barato nas intermináveis jornadas de metrô. Seria o último lugar em que eu esperaria ver uma notícia dessas publicada, especialmente como manchete na capa. Parece que algo está mudando no comportamento da classe média inglesa, aliás, no mundo todo. Notícias sobre saúde invadem meios de comunicação diariamente, inclusive no Brasil, indicando o interesse crescente das pessoas sobre assuntos que dizem respeito à prevenção e novos tratamentos para doenças graves. Portanto, nada mais chamativo do que um remédio barato que evita um dos tipos mais comuns e aflitivos de câncer, como o de mama.
Vamos aos fatos. O estudo indica que um grupo importante de mulheres teria risco aumentado para câncer de mama. O Daily Mirror estima que 39 000 mulheres nesse grupo evitariam câncer de mama ao receber essa medicação. O número de 120 000 casos do título é uma extrapolação minha baseado na população brasileira em comparação com a britânica.
Como saber se você tem risco aumentado para câncer de mama? Seu médico hoje tem acesso a aplicativos muito simples que são capazes de calcular seu risco para câncer nos próximos cinco anos e o risco de ter câncer até os 90 anos. O modelo de Gail é o mais utilizado. Esse modelo leva em conta algumas informações muito simples, como idade da primeira menstruação, se algum familiar próximo teve câncer de mama, a sua idade e se você já fez biopsia de mama. O seu médico não leva mais que um minuto para aplicar esse teste, e, de acordo com o escore obtido, ele pode saber se seu risco é alto para câncer. Vale a pena ressaltar que esse modelo tem imperfeições, mas vem funcionando muito bem para estimar grupos de alto risco em mulheres que não tiveram câncer de mama.
Há mais de uma década o modelo de Gail auxilia os médicos a saber que mulheres de alto risco se beneficiam muito com o uso do tamoxifeno. Esse medicamento, se tomado por cinco anos, reduz o risco de câncer em mulheres de alto risco em cerca de 50% se elas estão antes da menopausa e de 38% se já estão menopausadas. O anastrozol funciona melhor em mulheres pós-menopausa e a redução de risco atingiu 53% no estudo médico referido acima, ou seja, bem superior à prevenção observada com o tamoxifeno.
Se medicamentos baratos como esses conseguem evitar câncer, por que não são usados naturalmente nessas pacientes ? Há diversas explicações.
Em primeiro lugar, mesmo no Reino Unido, cujo sistema de saúde é gratuito e onde esses medicamentos podem ser comprados a custos muito baixos, 40% dos médicos relutam em prescrevê-los temendo efeitos colaterais. No Brasil, o tamoxifeno pode ser obtido pelo sistema de saúde, mas não o letrozol, que custa bem mais caro. No caso do anastrozol, os efeitos colaterais são muito menos importantes do que aqueles causados pelo tamoxifeno. Mas mesmo no caso do tamoxifeno, os efeitos colaterais não costumam ser percebidos pela maioria das pacientes, e quando ocorrem, esses efeitos costumam ser leves. Algumas poucas pacientes de fato não toleram a medicação. Em relação a essas duas drogas, se os efeitos sentidos forem muito desagradáveis, basta interromper-suspender a medicação e a situação se normaliza em poucos dias.
E compreensível que médicos se preocupem com as medicações que estão prescrevendo, mas no caso desses dois remédios os riscos são muito pequenos se comparados com o tamanho do beneficio. Se pesarmos os efeitos negativos com a realidade que mais da metade das mulheres de alto risco que passaram da menopausa não terão câncer de mama, me parece uma proposta muito interessante. Prevenir custa mais barato e evita sofrimento físico e psicológico, além de efetivamente salvar vidas.
Todos sonhamos com medicamentos que podem evitar que tenhamos câncer. Mas desejamos medicamentos 100% seguros, daí a busca desenfreada por complexos de vitaminas, dietas especiais ou compostos naturais. O fato é que nenhuma dessas substâncias se provou eficiente em reduzir o risco de câncer até o momento.
Eu acredito que, presentemente, medicações como tamoxifeno e anastrozol são a melhor chance de evitarmos câncer de mama. São dados científicos. Mas é claro que cada caso deve ser analisado na sua individualidade pelo médico, por causa dos efeitos colaterais de medicamentos que terão de ser tomados por cinco anos.
Tão importante quanto os resultados desses remédios é a constatação de que podemos desenvolver medicamentos de uso simples e de baixo custo que previnam contra o flagelo que é o câncer. É muito provável que em poucos anos possamos diminuir acentuadamente os casos dessa doença por meio de prevenção individual, baseada no risco de cada um. É uma notícia para ser celebrada, mesmo que divulgada para a população por tabloides populares.
Dr. Bernardo Garicochea. - Hematologista e oncologista. diretor de pesquisa em oncologia do Hospital Sírio Libanês em São Paulo
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