Não são só os fios que mudam após toda a química ir embora, pessoas que passam pelo processo também precisam se aceitar como são de verdade
Gabriela Vasconcelos começou a alisar o cabelo quando tinha 12 anos. Ela não gostava do volume gerado pelos fios enrolados e queria deixar o cabelo mais “manso”, com cachos mais abertos. Três anos depois, ela passou pelo alisamento definitivo porque já não se sentia bem com os próprios fios. E assim foi levando, até que iniciou o processo de transição capilar em agosto de 2014.
“Quando fazia progressiva, logo a química ‘saia’ e o cabelo ficava sem forma. Depois, com o recondicionamento térmico, de mês em mês minha raiz estava enorme, sem falar nas pontas espigadas. Não gostava do cabelo liso, não me achava bonita com ele, mas ainda considerava ser uma solução menos pior do que deixar natural. Isso só mudou aos 20 anos, quando notei que meu cabelo poderia ser, sim, muito bonito, bastava aprender a cuidar e a lidar com ele”, afirma Gabriela, que atualmente inspira inúmeras cacheadas naturais a passarem pela transição capilar .
Fernando Querichelle, cabeleireiro do Circus Hair, explica que a transição tem o objetivo de retirar toda a química do cabelo para que a pessoa possa recuperar os fios naturais. “Você deixa a textura de seu cabelo voltar ao que é realmente, sem química, escova, chapinha, permanente, coloração, enfim, tudo que pode mudar a estrutura do fio.”
O especialista conta que a duração do processo varia de pessoa para pessoa. Aquelas que já usaram muita química, abusaram da chapinha, cor e que não querem cortar, podem esperar até alguns anos para voltarem totalmente aos fios naturais. Já no caso daquelas que só tinham o costume de escovar e, de vez enquanto, passar chapinha, a transição dura apenas algumas semanas com a ajuda de produtos corretos e corte.
Processo
Falando, pode parecer fácil, mas quem já passou pela transição sabe que se trata de uma mudança de vida. Independentemente do motivo – alisamento ou coloração, por exemplo –, grande parte das pessoas que iniciam o processo faziam a química por se sentirem obrigadas, porque acreditavam que os fios naturais não seriam aceitos pelas outras pessoas.
Além dos altos e baixos que esta própria percepção pode gerar na pessoa, o cabelo sem química acaba perdendo forma e brilho. Gabriela aguentou seis meses com cabelo com duas texturas – a natural e a com química. Depois, cortou o cabelo curtinho.
É hora de cortar?
O que a jovem fez é conhecido como Big Chop ou BC. O hairstylist Mateus Dionisio explica que o termo se refere ao “grande corte”, que é feito para retirar toda a parte alisada. A pessoa também pode optar por ir cortando aos poucos.
“A autoestima fica abalada, é um transtorno sair de casa, muito trabalhoso e complicado. Eu estava cada vez mais ansiosa em me libertar daquilo e aceitar meu cabelo do jeito que ele viesse, e por isso acabou sendo mais fácil a decisão de cortar tudo logo”, relata Gabriela.
NOVA VIDA
Fernando Querichelle afirma que, por muito tempo, as pessoas viveram sob a pressão de padrões que as deixavam infelizes.
Ter cortado o cabelo bem curtinho permitiu a jovem encontrar um novo lado feminino, mesmo sem o cabelão. Ela gostou tanto do corte que pretende voltar a usá-lo. “Fora isso, fui vendo o crescimento de cada cachinho, notando as mudanças na textura do meu cabelo conforme ele crescia. Aceitá-lo e achá-lo bonito foi um processo muito natural. Não houve mais uma preocupação de ‘como vou lidar com ele???’. Eu simplesmente ia deixando ele se mostrar e cuidando, testando. E foi dando tudo muito certo.”
E se não quiser cortar?
A pessoa que não quer passar pelo BC pode usar algumas técnicas para melhorar a aparência do cabelo durante a transição capilar. Segundo Mateus Dionisio, os canudos, bobs, twists e tranças ajudam muito. Algumas mulheres também usam turbantes durante o processo. Já Fernando Querichelle aconselha o uso de babyliss, penteados e, em poucos casos, até o permanente – apenas na parte lisa, lembre-se que a ideia da transição é retirar todo o tipo de química.
“O corte também ajuda bastante, por mais que o cabelo ainda tenha parte lisas, tem como fazer camadas, repicar sem mexer no comprimento. Isso já dá muito movimento e pode disfarçar bem a parte alisada.”
Mantenha distância
A transição capilar exige disciplina, já que a pessoa fica proibida de ‘chegar perto’ das químicas. Segundo Fernando, até a coloração pode deixar o cabelo mais seco e com dificuldade de cachear. “Chapinha também não aconselho. Uma vez que se passa a chapinha no cabelo ele demora dias para voltar à forma original. Passada com frequência, pode alisar o cabelo definitivamente e, com isso, perder a transição, principalmente na parte alisada quimicamente, que não volta cachear.”
A pessoa vai precisar encontrar uma nova forma de se cuidar e de se ver. Para o especialista, primeiro de tudo é necessário acreditar que o cabelo natural vai ficar lindo e que vai possibilitar felicidade.
O que usar
Já em relação aos cuidados, ele indica produtos ativadores de cachos e específicos para nutrição capilar, que sejam a base de óleos vegetais e sem sulfato, parabenos, derivados de petróleo e outras substâncias que podem mascarar a saúde dos fios.
“A maioria dos cabelos cacheados tem o comprimento e as pontas secas porque a oleosidade natural não passa da raiz por causa da forma anelada, por isso precisam de um produto especifico e que não resseque mais o fio.”
Mateus Dionisio também indica o cronograma capilar durante a transição. “É uma forma de cuidar dos fios de forma organizada e seguindo tratamentos específicos durante o mês. É indicado para todos os tipos de cabelo, mas é ainda mais importante para quem está em período de transição capilar”, explica. No cronograma há três etapas: hidratação, nutrição e reconstrução . Regularmente, a pessoa usa os produtos para cada necessidade, variando de cabelo para cabelo.
Inspiração
Hoje, Gabriela é mais conhecida como Gabi Vasconcelos, YouTuber que conta com mais de 39,2 mil fãs na plataforma de vídeos. Não foi fácil chegar até onde chegou, ainda mais porque os fios enrolados foram motivo de piada na época da escola. “Sempre foi muito dolorido para mim, e isso me fez criar uma barreira de nunca acreditar quando as pessoas me diziam que ele era bonito. Desenvolvi uma postura de estar sempre na defensiva, de criticar o meu cabelo antes que alguém criticasse, e isso sem dúvidas influenciou muito na decisão de alisá-lo e em todos os problemas de autoestima que tive durante a adolescência.”
Fernando Querichelle concorda que, por muito tempo, as pessoas viveram sob a pressão de padrões que as deixavam infelizes. “Agora é a hora de ser e viver como gostariam. A diversidade é linda! Então é muito importante que o profissional de beleza que atenda essa cliente saiba acolher e encorajar esse desejo.”
Encontrar uma rede de apoio na internet, em grupos no Facebook, por exemplo, foi essencial para que Gabi entendesse que a mudança proporcionada pela transição capilar é interna, não externa. “Cachos não estão na moda, o que está acontecendo é que cada vez mais mulheres percebem que não precisam se encaixar em um quadradinho para serem bonitas de verdade. Isso se reflete diretamente na maneira que lidamos com nós mesmas e com nossa beleza natural.”
Redação com Delas
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