

Para tentar verificar essa questão de forma científica, Natália montou um megaexperimento em parceria com Thad Dunning, da Universidade da Califórnia (Berkeley). Selecionou oito atores (quatro brancos e quatro negros), que gravaram um trecho semelhante ao horário eleitoral. Expôs 1.200 pessoas a essas mensagens, que só variavam no quesito raça.
Resultado: candidatos brancos não tiveram melhor avaliação nem respondentes privilegiaram concorrentes da própria raça nas escolhas.
Mas se a discrepância entre população e eleitos é real, onde está a resposta? No dinheiro, concluiu Natália - ela descobriu que candidatos brancos são mais ricos e recebem fatia maior da verba pública distribuída por partidos e também das doações privadas.
A diferença média de patrimônio entre políticos brancos (em nível federal, estadual e local) e não brancos foi de R$ 690 mil. E em outra prova do poder do bolso nas urnas, vencedores registraram R$ 650 mil a mais em patrimônio pessoal do que os perdedores.
Políticos brancos também receberam, em média, R$ 369 mil a mais em contribuições de campanha do que não brancos. A análise incluiu dados das eleições de 2008, 2010 e 2014.
"Se a discriminação tem um papel (na desigualdade racial na representação política), ela passa principalmente pelas iniquidades de renda e riqueza entre brancos e negros que afetam a habilidade dos candidatos negros de financiar suas campanhas", diz.
Corruptos estão no poder por que o eleitor é ignorante?
A corrupção é um tema central no debate político atual no Brasil. E se tantos brasileiros percebem a corrupção como problema (98% da população pensa assim, segundo pesquisa de 2014), porque tantos políticos corruptos continuam no poder?
A partir de dados de diferentes pesquisas de opinião - entre elas, dois levantamentos nacionais, com 2 mil e 1,5 mil entrevistados -, a recifense Nara Pavão foi buscar respostas para além do que a ciência política já discutiu sobre o tema.ANTONIO CRUZ/ABR

Muitos estudos já mostraram que a falta de informação política é comum entre a população, e que o eleitor costuma fazer uma troca: ignora a corrupção quando, por exemplo, a economia vai bem.
"Mas para mim a questão não é apenas se o eleitor possui ou não informação sobre políticos corruptos, mas, sim, o que ele vai decidir fazer com essa informação e como essa informação vai afetar a decisão do voto", afirma a cientista política.
A pesquisa de Nara identificou um fator chave a perpetuar corruptos no poder: o chamado cinismo político - quando a corrupção é recorrente, ela passa ser vista pelo eleitor como um fator constante, e se torna inútil como critério de diferenciação entre candidatos.
Consequência: o principal fator que torna os eleitores brasileiros tolerantes à corrupção é a crença de que a corrupção é generalizada.
"Se você acha que todos os políticos são incapazes de lidar com a corrupção, a corrupção se torna um elemento vazio para você na escolha do voto", afirma Nara, para quem o Brasil está preso numa espécie de armadilha da corrupção: quão maior é a percepção do problema, menos as eleições servem para resolvê-lo.
Quem recebe Bolsa Família não critica o governo?
O programa Bolsa Família beneficia quase 50 milhões de pessoas e é uma das principais bandeiras das gestões do PT no Planalto. Até por isso, sempre foi vitrine - e também vidraça - do petismo.
Uma das críticas recorrentes pressupõe que o programa, para usar a linguagem da economia política, altera os incentivos que eleitores têm para criticar o governo.
Famílias beneficiadas não se preocupariam, por exemplo, em punir um mau desempenho econômico ou a corrupção, importando-se apenas com o auxílio no começo do mês.

Deste modo, governos que mantivessem programas massivos de transferência de renda estariam blindados contra eventuais performances medíocres. Seria, nesse sentido, um arranjo clientelista - troca de bens (dinheiro ou outra coisa) por voto.
Um estudo de Nara analisou dados do Brasil e de 15 países da América Latina que possuem programas como o Bolsa Família e não encontrou provas de que isso seja verdade.
"Em geral, o peso eleitoral atribuído à performance econômica e à corrupção do governo é relativamente igual entre aqueles que recebem transferências de renda e aqueles que não recebem", afirma.
A conclusão é que, embora esses programas proporcionem retornos eleitorais para os governantes de plantão, eles não representam - desde que sigam regras rígidas - incentivo para eleitores ignorarem aspectos do desempenho do governo.
ONGs são ralo de dinheiro público?
Organizações de sociedade civil funcionam como um importante instrumento para o Estado fornecer, por meio de parcerias e convênios, serviços à população.
Diferentes governos (federal, estaduais e municipais) transferem recursos a essas entidades para executar programas diversos, de construção de cisternas e atividades culturais.
Apenas em nível federal, essas transferências quase dobraram no período 1999-2010: de RS$ 2,2 bilhões para R$ 4,1 bilhões.

Esse protagonismo enseja questionamentos sobre a integridade dessas parcerias - não seriam apenas um meio de canalizar dinheiro público para as mãos de ONGs simpáticas aos governos de plantão?
Com o papel dessas organizações entre seus principais de interesses de pesquisa, Natália Bueno mergulhou no tema. Unindo métodos quantitativos e qualitativos, analisou extensas bases de dados, visitou organizações e construiu modelos estatísticos.
Concluiu que o governo federal (ao menos no período analisado, de 2003 a 2011) faz, sim, uma distribuição estratégica desses recursos, de olho na disputa política.
"A pesquisa sugere que governos transferem recursos para entidades para evitar que prefeitos de oposição tenham acesso a repasses de recursos federais. Outros fatores, como implementação de políticas públicas para as quais as organizações tem expertise e capacidade únicas, também tem um papel importante."
Ela não encontrou provas, porém, de eventual corrupção ou clientelismo por trás desses critérios de escolha - o uso das ONGs seria principalmente parte de uma estratégia político-eleitoral, e não um meio de enriquecimento ilícito.
"Esse tipo de distribuição estratégica de recursos é próprio da política e encontramos padrões de distribuição semelhantes em outros países, como EUA, Argentina e México", diz Natália.
Corrupção é difícil de verificar, mas a pesquisadora usou a seguinte estratégia: comparou ONGs presentes em cidades com disputas eleitorais apertadas, checou a proporção delas no cadastro de entidades impedidas de fechar parcerias com a União e fez uma busca sistemática por notícias e denúncias públicas de corrupção.
De 281 ONGs analisadas, 10% estavam no cadastro de impedidas, e apenas uma por suspeita de corrupção.
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